Projeto ‘Telha Oásis’ foi desenvolvido com materiais de baixo custo. Além da água da chuva, o sistema também possibilita a filtragem e desinfecção da água de rios, cacimbas e açudes.
Estudantes de uma escola em Campina Grande desenvolveram um projeto que possibilita moradores da zona rural filtrar e desinfectar a água captada da chuva. A “Telha Oásis”, além de permitir o aproveitamento de água proveniente da chuva, também permite a filtragem e desinfecção de águas oriundas de rios, cacimbas e açudes. O projeto, desenvolvido com materiais de baixo custo, foi criado pensando nas dificuldades enfrentadas por essas pessoas em períodos secos na região.
“A captação de água por telha é uma coisa fatídica já, não tem novidade nenhuma. Porém, o nosso projeto consiste em uma adaptação de duas telhas, a primeira perfurada em cima, a de baixo inteira, e entre elas existe um meio filtrante que é constituído de areia e carvão ativado, então essa água corre por esse leito filtrante, e a gente adaptou um cano de PVC e esse cano vai receber essa água não como uma calha, mas já fechado, e no fim essa água já sai filtrada”, explica o professor de biologia Ronaldo Justino, um dos orientadores do projeto.
O projeto “Telha Oásis” foi desenvolvido por estudantes do ensino médio da Escola Virgem de Lourdes, durante uma competição que ocorre anualmente na instituição. Além dos estudantes e do professor Ronaldo, a equipe também contou com a orientação do professor de física Felício Aguiar.
Um dos estudantes que participaram da criação do projeto, Gabriel Chaves, de 16 anos, explica que o sistema foi desenvolvido para atender um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). “Esse projeto é um produto da nossa startup Cielus, uma empresa que nós criamos para a competição. O nosso projeto prioriza o acesso à água potável, por isso desenvolvemos uma telha que fosse capaz de captar e filtra água da chuva”.
O professor Ronaldo diz que o diferencial do projeto é a utilização de materiais de baixo custo. “A filtragem da água no sistema acontece sem adicionar uma única gota de cloro, basicamente a partir de tecnologias que são não apenas do ponto de vista construtivo viáveis, mas também do ponto de vista econômico. Então umas das nossas maiores preocupações foi de deixar o projeto num custo que fosse bem abaixo do valor de um aparelho celular, por exemplo, que é algo que quase todo mundo tem”, destaca.
“Tudo foi pensado justamente para fazer com que a pessoa que está precisando de água potável possa ter acesso com um investimento bem pequeno, e a estimativa de durabilidade do produto é de 10 anos”, diz Ronaldo Justino.
O professor explica que é preciso realizar a manutenção da areia que há na “Telha Oásis”, o que é importante para higienizar o leito filtrante do sistema. “Não é nada tão complexo, é só lavar a areia e remontar o produto”, afirma Ronaldo.
O projeto foi pensado para ser criado com produtos que já existem no mercado, mas precisou de algumas adaptações. “A areia que há dentro do leito filtrante, por exemplo, é essa areia utilizada em filtros de piscina, que já existe no mercado. Mas o corte do cano, que vai como calha da telha, acompanha o design da telha, então tem que ser feito a partir de uma mini retífica”, salienta Ronaldo.
Filtragem de água armazenada em recipientes
Além da água captada da chuva, o sistema permite filtrar e desinfectar a água oriunda de rios, cacimbas e açudes. “O projeto foi pensado para filtrar essas águas de corpos aquáticos que são também naturalmente utilizados, mas que, por conta do uso inadequado, da presença de animais, por exemplo, precisam de tratamento, de retenção de segmentos de matéria orgânica e desinfecção”, ressalta o professor.
A “Telha Oásis” também foi desenvolvida para ajudar moradores da zona rural da região a tratarem a água que é armazenada em recipientes. Através de uma bomba e um interruptor acoplados no sistema, é possível realizar a filtragem dessa água.
“Mesmo quando não estiver chovendo, e caso queiram filtrar essa água armazenada em baldes e potes, por exemplo, é só ligar o interruptor e conectar a bomba, que vai jogar essa água turva que está no balde para um recipiente que há em cima da telha, que vai receber essa água já filtrada”, explica o professor Ronaldo.
O sistema também possui em sua estrutura uma lâmpada UV. “Essa água vai escorrer para dentro de um recipiente onde há uma lâmpada UV, que é germicida. Radiação UV já é uma tecnologia utilizada em várias partes do mundo para tratamento de água, principalmente porque ela é capaz de inviabilizar vírus, que não são eliminados com tratamento convencional”, ressalta o professor.
Validação do sistema em comunidades da zona rural
Após ser apresentado durante a competição na escola em Campina Grande, o projeto “Telha Oásis” passou pelo teste de validação, em outubro deste ano. O teste aconteceu com moradores da comunidade Roda de Pedra, localizada entre as cidades de Campina Grande e Pocinhos, no Agreste paraibano.
“O nosso produto foi validado numa comunidade que é carente de água, que é a comunidade Roda de Pedra, uma região que apresenta um relevo bastante acidentado, com um afloramento de rochas. Água ali é complicado, porque quando não chove, só é proveniente de tanque de pedra ou de carro-pipa”, relata o professor.
O estudante Gabriel Chaves conta que para a ação de validação do sistema, ele, o professor e os colegas visitaram nove residências da comunidade, que é atendida pelo Programa Um Milhão de Cisternas, do Governo Federal. “Nós visitamos nove residências de uma comunidade rural próxima ao município de Pocinhos, porque nossa intenção era fazer com que essas pessoas conhecessem o produto, então nós apresentamos o projeto e explicamos como funcionava”.
“Nessa comunidade nós observamos a dificuldade que os agricultores enfrentam quando à disponibilidade e qualidade da água, o que nos deu um desejo ainda maior para o desenvolvimento do projeto, para ajudar essas pessoas”, afirma o estudante Gabriel Chaves.
Projeto criado durante competição na escola
O projeto “Telha Oásis” foi desenvolvido durante uma competição realizada na Escola Virgem de Lourdes. A competição, que teve início em julho deste ano, contou com duas etapas. A primeira foi a concepção do produto e desenvolvimento da ideia, já a segunda fase foi para o desenvolvimento do produto e a elaboração de um plano de negócio.
“Foi nessa primeira fase da competição que nós criamos a startup Cielus e o produto da empresa, que é a ‘Telha Oásis’. Nessa primeira etapa nossa equipe ficou em primeiro lugar na competição e, na segunda fase, nós ficamos em segundo lugar”, frisa o professor Ronaldo.
“O sistema combina basicamente a forma mais comum de captação de água em regiões como a do nosso semiárido, com processos de remoção de sedimentos e matéria orgânica da água, além da eliminação de patógenos através de uma lâmpada UV. Durante a apresentação na escola, nós tornamos potável uma amostra de água coletada de um açude da cidade de Lagoa Seca, aqui no Agreste paraibano”, frisa Ronaldo.
“Nosso interesse é que o projeto seja viabilizado não para lucrar, mas para suprir a necessidade dessas pessoas que padecem sem água”, afirma o professor Ronaldo Justino.
O projeto “Telha Oásis” foi apresentado também ao poder público. Segundo o professor Ronaldo, alguns vereadores e deputados da Paraíba já conheceram o sistema. “Apresentamos o projeto ao poder público, visando justamente tornar esse sistema uma política pública de saneamento e convivência com a seca”, pontua.
“Além disso, nós fizemos um contato primário com o Insa [Instituto Nacional do Semiárido], e aí fomos convidados a apresentar a ideia a um professor doutor, especialista em tecnologias de convivência com a seca e captação de chuva. Então fizemos contato prévio com o professor Kleper Borges, lá do LabDes, o Laboratório de Dessalinização da Universidade Federal de Campina Grande”, conta o professor.
O protótipo do projeto continua na escola, mas, conforme Ronaldo, a ideia é doar o sistema para algum dos moradores da comunidade visitada para validação. “Nós queremos fazer isso como forma de incentivar e de estimular, porque nós temos uma oportunidade de mostrar o projeto, mas nada impede de uma estudante do interior, com a orientação devida, potencializar ou modificar o projeto e utilizar de outras formas”, afirma Ronaldo.
“Nosso objetivo é conseguir montar esse sistema com areia lavada de rio, que vai permitir um insumo com maior viabilidade, inclusive para baratear o preço do produto. Estamos todos entusiasmados e interessados em viabilizar esse projeto no mercado”, conclui o professor.
Fonte: Portal Macaúba
Fotos: Ronaldo Justino/Arquivo Pessoal