Brasil tem a chance de liderar movimento contra aquecimento global
Jorge Soto*
Foi numa gelada noite na cidade polonesa Katowice que representantes de diversos países concluíram, em 15 de dezembro, o chamado “Pacote do Clima de Katowice”, com o “Livro de Regras” para implementação do Acordo de Paris, que entrará em vigor em 2020.
O documento, resultado de negociações que atravessaram dias durante a COP 24, estabelece mecanismos importantes para o acompanhamento transparente dos esforços de redução de emissões de gases de efeito estufa por todos os países. Mas, apesar de o presidente da COP 24, Michal Kurtyka, declarar que as nações poderiam voltar orgulhosas, esperava-se mais.
Grande parte dos debates da COP 24 teve como base o relatório apresentado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês) em outubro passado. O estudo aponta a importância de se limitar o aquecimento global em 1,5°C em relação à era pré-industrial e mostra o conhecimento científico a respeito da diferença dos impactos entre esse limite e 2°C, além de alertar que deveríamos alcançar uma sociedade carbono neutra em torno de 2050 para evitar impactos maiores.
Infelizmente não houve espaço político, na COP 24, para ampliar a ambição de forma coletiva. Apenas alguns poucos países anunciaram que já em 2020 vão rever suas metas (incluindo União Europeia, Reino Unido, Alemanha, França, Argentina, México e Canadá). Também se esperava mais quanto ao estabelecimento das regras para os incentivos econômicos à redução de emissões, e não houve acordo para a definição de como será implementado o “Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável” estabelecido no artigo 6 do Acordo de Paris.
Tais pendências deixam clara a importância da atuação de outros atores além dos governos, uma percepção que está cada vez mais forte inclusive no meio empresarial brasileiro. Várias empresas e organizações, como Pacto Global, o CEBDS, o GVCes, a CNI, o Instituto Ethos e a Iniciativa Empresarial pelo Clima (IEC), entre outros, estiveram lá para mostrar, com suas ações e resultados, que seu compromisso de redução das emissões dos gases de efeito estufa deve ser compreendido não apenas como gestão de risco, mas também como busca de oportunidades de negócios. O setor químico esteve lá mais uma vez. Talvez poucos saibam, mas o Brasil é sede do maior produtor mundial de biopolímeros. As companhias querem ser parte da solução.
O relatório do IPCC também indica que, para limitarmos o aumento de temperatura a 1,5°C, deveríamos reduzir as emissões globais em 45% até 2030 em relação a 2010. O problema é que o aumento de temperatura já alcançou 1°C, e as emissões continuam subindo. Portanto, este é o momento de governos, empresas e outros setores da sociedade passarem a buscar, com o uso da inovação, como sair do olhar negativo da ameaça para focar o lado positivo das oportunidades.
O Brasil possui uma matriz energética das menos intensivas em carbono fóssil do mundo e é um dos países com maior produtividade de biomassa. Essas características podem potencializar a competitividade brasileira no mercado global e reforçar a posição de liderança do Brasil no movimento pela economia de baixo carbono. O país tem nas mãos a chance de se tornar referência, liderar o movimento para conter as mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, fazer sua economia voltar a crescer. Vamos deixar escapar essa oportunidade?
*Diretor de desenvolvimento sustentável da Braskem e ex-presidente do Comitê Brasileiro do Pacto Global da ONU
Fonte: Folha de São Paulo