A ideia é que as pessoas possam produzir o próprio alimento no quintal de casa, com a integração entre a criação de peixes, aves, hortaliças, frutas e legumes.
O município de Urbano Santos, no Maranhão, tem cerca de 24 mil habitantes e menos de 8% da população tem emprego formal. A cidade, localizada a 270 km de São Luís, é uma das últimas colocadas no ranking de desenvolvimento humano no país. O agricultor Carlos Alberto Vieira Conceição, de 53 anos mora no município com a esposa, o filho, a nora e o neto. A renda da família é de R$ 280 por mês do Bolsa Família, mais R$ 320 que Jacion Castro da Conceição, o filho, consegue comprando cheiro verde de agricultores da região e vendendo na feira. O trabalho exige que ele passe horas na moto, e, para amenizar a jornada do Jacion e colocar mais comida na mesa, a família decidiu investir nem um projeto da Embrapa que produz alimentos em áreas bem pequenas, entre 100 e 1500 metros quadrados.
“Eu não quero meu filho fazendo essas viagens que é muito perigoso, aí é isso que eu quero que tenha… cheiro verde, vai ter a galinha, vai ter o peixe, aí vai pra frente mais o quiabo, o maxixe”, projeta Maria dos Santos Castro, esposa de Carlos e mãe de Jacion. A família de Carlos e outros moradores desta que é uma das cidades mais carentes do Brasil estão vendo neste projeto uma forma de aumentar a renda e diminuir a fome na região. A ideia é que as pessoas carentes produzam o próprio alimento no quintal de casa, no chamado “sisteminha”, que é a integração entre a criação de peixes, aves, hortaliças, frutas e legumes.
O sisteminha nasceu há 8 anos, na Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais. Ele foi tese de doutorado do zootecnista da Embrapa Luiz Carlos Guilherme. A ideia é que o sistema seja acessível. Na residência da produtora Dariele Dutra, também em Urbano Santos, o sisteminha ocupa uma área de 280 m² e já funciona há dois anos. No começo, ela não acreditava que poderia dar certo. “Mas quando a gente começou a trabalhar, colocou a mão na obra, ver que um se encaixava com outro, que a água do açude se encaixava com a irrigação, que da horta tirava o húmus que era das minhocas, que foi se encaixando um com o outro, hoje a gente já não tem dificuldade”, relembra. Darielle agora produz as próprias mudas e o próprio regador, mas a alegria dela é conseguir botar comida na mesa da família.
O projeto do sisteminha foi parar internet e já foi implementado no Piauí, Maranhão, Ceará, Tocantins, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e Pernambuco. São cerca de 4600 famílias beneficiadas. Desde o início do projeto, o celular do zootecnista da Embrapa José Carlos Guilherme recebe depoimentos de pessoas que acreditaram no sistema. O agricultor Marcio, da Bahia, disse que é possível conseguir quase R$ 4 mil de renda com o sisteminha. A Deusione, do Piauí, disse que é “rica” por saber poder escolher o que vai comer.
O sisteminha também já atravessou o oceano e ajuda famílias de países africanos como: Camarões, Etiópia, Tanzânia, Gana, Uganda, Angola, Senegal e Moçambique. O criador do projeto está satisfeito com os resultados, principalmente com o resgate da autoestima da população mais carente do país.
Como funciona
O sisteminha é parecido com a linha de produção de uma fábrica. Em cada fase, algo é acrescentado. Toda a estrutura do sistema custa entre R$ 5 mil e R$ 8 mil, investimento do próprio bolso do agricultor ou de programas públicos para famílias de baixa renda, como ocorre no Maranhão.
“A gente tem parcerias com várias Prefeituras municipais, com governo do estado também em âmbito de vários projetos. A gente está aqui voltado exclusivamente para a agricultura familiar, é pensando nesse agricultor que é mais suscetível que não tem o suporte do governo”, conta o técnico da Embrapa José Soares Bezerra Júnior.
O projeto do sisteminha só foi possível graças a uma invenção simples: um balde, um cano de PVC, uma mangueira de limpeza de piscina e uma garrafa pet. Esses itens formam o biofiltro, que é o coração de todo o sistema. O equipamento permite que um tanque com 10 mil litros de água produza 40 kg de tilápia a cada 90 dias.
Já a estrutura do tanque é composta por uma armação principal, que pode ser de madeira ou até bambu, tem forma de círculo ou retângulo, o papelão serve de parede, a argila faz o acabamento, em alguns casos pode ser revestido com plástico para melhorar impermeabilização.
Dentro do tanque, a água com restos de ração e fezes passa por um sedimentador que retém o material sólido. Antes de voltar para o tanque, a água passa pelo biofiltro. No interior, centenas de fios de nylon cheios de bactérias que decompõem a amônia, substância produzida pelas fezes da própria tilápia e que se não for eliminada, mata os peixes.
Parte da água das tilápias é utilizada na irrigação, pois é um biofertilizante que contém nutrientes importantes como nitrogênio, fósforo potássio, cálcio e magnésio, basicamente tudo que a hortaliça precisa pra se desenvolver.
A plantação é escalonada, ou seja, o plantio é feito aos poucos, assim a colheita é gradual, para não faltar nem sobrar alimentos. O sisteminha conta ainda com galinhas para carne e ovos. O esterco desses animais vira compostagem e, depois de um tempo curtido, vai para um minhocário e se torna húmus, um adubo natural.
Mas existem dificuldades na região de Urbano Santos, como conseguir alevinos e ração baratos e em pouca quantidade. Um problema que vem sendo contornado com a parceria com fábricas de ração, elas criaram um combo, fornecem 150 alevinos e a ração pelos noventa dias por um valor médio de R$ 160.
Veja o vídeo sobre o Sisteminha no link: https://g1.globo.com/economia/agronegocios/globo-rural/noticia/2019/06/23/sisteminha-da-embrapa-ajuda-a-levar-alimento-e-renda-para-familias-carentes-do-maranhao.ghtml
Por Globo Rural